19 de novembro de 2010

Tantos Caminhos: a festa continua - parte X

Bom, como todos já sabem esse é o mês de comemoração de 01 anos do Tantos Caminhos e não encontrei melhor forma de comemorar do que dividir com vocês textos de amigos queridos.

Dando continuidade a festa, hoje, divido vocês um texto, da querida Beth do Mãe Gaia.

"Numa casa portuguesa fica bem pão e vinho sobre a mesa. 
Quando à porta humildemente bate alguém, 
senta-se à mesa co'a gente. 
Fica bem essa franqueza, fica bem, que o povo nunca a desmente. 
A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar e ficar contente. 
Quatro paredes caiadas, um cheirinho à alecrim,
um cacho de uvas doiradas, duas rosas num jardim,
um São Pedro de azulejo, sob um sol de primavera, 
uma promessa de beijos, dois braços à minha espera.
É uma casa portuguesa, com certeza! 
É, com certeza, uma casa portuguesa! 
No conforto pobrezinho do meu lar, 
há fartura de carinho. 
A cortina da janela e o luar, mais o sol que gosta dela...
Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar uma existência singela... 
É só amor, pão e vinho e um caldo verde verdinho a fumegar na tigela."


Em algum momento neste final de semana pus-me a cantarolar esta música portuguesa que não me saiu da cabeça depois que li um trecho do livro que levei para as noites tranquilas lá na serra. Os mais jovens que aqui frequentam não devem conhecê-la, mas ela fez muito sucesso no passado e na minha infância, no convívio que tive com várias famílias lusitanas, volta e meia ouvia alguém cantarolando um pedacinho dela. Acho-a linda e tem tudo a ver com o modo de viver dos portugueses, simples e caloroso.

Eu via e sentia como aquelas pessoas tinham amor pelo seu país e viviam contando casos ou recitando versinhos bem ao seu estilo, fazendo comidas com gosto da terra distante(eu adorava a filhóses que Dona Deolinda fazia), usando a maneira de seu povo nas suas expressões do dia a dia. Só agora que entendo melhor a vida, imagino a medida exata para avaliar as suas perdas e seus sentimentos. O Atlântico é o mesmo oceano que separa estes dois países irmãos, mas a cultura deles é muito diferente da nossa e eu não entendia porque moravam todos uns em cima dos outros, quer dizer, construiam sempre mais um puxadinho para um filho que casava ou algum parente que chegava de Portugal. Era um tempo em que a família abrigava as pessoas. Atualmente ainda vemos alguns morando com avós, pais, filhos e netos e, geralmente muito felizes em suas relações afetivas.

Lembrei-me de um fato interessante que um dia uma amiga que nasceu lá, acho que é Trás dos Montes, contou-me. Veio ainda bebê com os pais aqui pro Brasil começarem uma nova vida depois da Segunda Guerra Mundial e, tanto seus pais quanto ela própria sonhavam um dia poder voltar à querida terrinha e reverem os lugares lá deixados, os parentes, suas raízes, enfim. Seus pais foram uma única vez e não mais voltaram, viviam das lembranças e do contato que faziam das cartas e telefonemas. Fincaram os pés aqui na terra brasileira e criaram seus filhos. Assim que teve uma oportunidade foi com seu marido em viagem à Portugal nos idos de 80, levando presentes brasileiros para a avó, tios e primos. Passaram por lá uns vinte e poucos dias, comendo batatas, azeitonas graúdas, bacalhau regado a azeite puro. Depois de uma dezena de dias já estavam enjoados daquilo, pois na aldeia que os parentes moravam não tinha lá muita variedade e quase todos os dias vinham as batatas cozidas, que já não surtiam o prazer das primeiras vezes. Chegaram a ter um certo 'piriri' de tanto azeite que ingeriram. Claro que hoje, até mesmo as aldeias têm variedades comestíveis e até de países distantes. 


Mas o que os marcou profundamente foi perceberem que nas conversas com os tios e primos, não eram mais considerados portugueses e sim brasileiros. Ficaram confusos, coitados, pois os dois, ela e o marido, eram registrados como portugueses, viveram aqui no estilo português, com seus pais legitimamente portugueses e com sotaques completamente distintos do português brasileiro que falamos. Voltaram pro Brasil meio decepcionados em descobrirem que não tinham mais uma nacionalidade definida - lá não eram portugueses e aqui não eram brasileiros - foi então que resolveram se naturalizar de vez brasileiros e acabar com essa história.

Hoje, muitos brasileiros sairam do Brasil em busca de novas e boas oportunidades no exterior. Alguns não podem voltar com tranquilidade ou porque estão ilegais ou não têm condições financeiras para bancar passagens de ida e volta facilmente e há aqueles que podem e estão sempre vindo, mesmo vivendo felizes e com as vidas estabelecidas, às vezes até famílias prontas com filhos nascidos em outro país, mas todos, sem exceção, volta e meia usam a palavra que só existe na nossa língua e que é usada no singular para expressar tudo aquilo que vai na alma com relação ao Brasil - Saudade - sem o s, pois saudades, no plural, são lembranças, cumprimentos que se mandam.

Vejo que ocorre então um movimento contrário aquele do meio do século passado e que com a globalização fortaleceu-se em todo o mundo. Penso, como será a visão daquele que passa muitos anos fora daqui e quando retorna, mesmo vindo com tanta saudade, o que sente diante do país atual que também está diferente nas mudanças sociais e culturais, devido a todo este movimento global! Por um acaso sentem-se assim, meio divididos, brasileiros lá fora e aqui um estrangeiro?!
"Onde você se encontra, onde você está, é exatamente aí que está sua vida, não importa quão penosa esteja sendo ou quão prazeirosa. Isso é o que é."
(Taizan Maezumi, Ensinamentos da Grande Montanha, Editora Religare)


(Ao fazer este post lembrei-me com saudade de meus amigos de sempre, portugueses e brasileiros de coração, e homenageio Dona Deolinda, Sr. João, Tereza, Lourdes, Belarmino, Maria, Fátima, Vera, Sr. Ernesto, Dona Rosa, Sr. Joaquim e Dona Alina).


Meus amigos, ando um tanto em falta com vocês, mas esses dias estão para lá de corridos. O final de semana será estilo gincana com a pequena Beatriz e é bem provável que eu só consiga passar por aqui no domingo. Um bom final de semana a todos!

21 comentários:

sinfonia disse...

Esta homenagem é interessante.
Estive aqui e voltarei.

Bordados e Retalhos disse...

O texto da Beth é uma linda homenagem aos portugueses, ao mesmo tempo que alerta para uma questão séria que é perder a nossa identidade. Olha eu aqui marcando presença na festa apesar de estr meio acabrunhada hoje. Adorei Isa. Bjs

Wanderley Elian Lima disse...

E a festa continua. A seleção de textos está ótima.
Bjux

VELOSO disse...

Muito bom o texto muito bem elaborado e com muitas verdades muitas vezes somos considerados estrangeiros dentro de nosso passei por isso como migrante do Paraná para o estado de São Paulo! Sua festa tá bombando!

*** Cris *** disse...

Bela escolha do texto, gostei. A palavra saudades anda sendo usado por muitos outros povos que chegam aqui no Brasil.
Bjs!

chica disse...

Um lindo texto trouxeste.Parabéns e beijos às duas,chica

Solange Maia disse...

Isa (a festeira mais animada do mundo...),

eu e a Lú tivemos o maior prazer em te receber lá no MIMO CHIC... foi uma alegria só !!!

é claro que já tinha te visto... linda !

beijo carinhoso

Teresa Cristina Martins disse...

Olá Isa!! Que bom que gostou da nova carinha do Acolher com amor, aprendi a colocar os templetes, rsrsrs.Bacana o texto da Beth, pois ela resgatou momentos da infância e aproveitou para fazer uma reflexão sobre os nossos colonizadores e a busca dos brasileiros em tentar a vida em outros países. E na sua festa, quem ganha o presente é toda blogosfera. bjuss

Tati disse...

Isa, nunca tinha lido este texto da Beth. Me levou à minha infância, a uma casa exatamente como ela contou, casa de uma amiga, que morava, com mãe e irmãos,no quintal da avó, onde também moravam seus tios e primos. A casa era uma festa, uma algazarra. Um tal de olhar na panela daqui o que tem e subir para a casa da avó para ver onde almoçar. Cafés simples, com pão bisnaga e manteiga, os mais deliciosos e inesquecíveis de minha vida, por que eram temperados por tanto carinho. Saudade também da tia Emília e da Ana, e daquela família barulhenta, unida e divertida. Amei este texto.
Beijos.

Maria Célia disse...

OI Isa
Texto ótimo da Beth, e ainda por cima deu uma aulinha de português, ao explicar saudade com s e sem s.
Muito bom.
Bjos

♪ Sil disse...

Isa,

E eu fico feliz em estar junto nessa comemoração, desse espaço tão encantador.
O que mais admiro em um blog, além dele em si, é quem esta por trás.
E você, minha querida, é um encanto de pessoa, um carinho sempre acolhedor.
Sinto-me abraçada quando venho aqui.
Isso faz toda diferença.

Eu gosto muito de ti!
Um beijoooo!

PS: Nem me fale em vida corrida, que eu precisaria de no minimo que o dia tivesse umas 27 horas rs!

pensandoemfamilia disse...

Oi Isa
Não conhecia este texto da Beth e adorei, pois fala da questão da nossa identidade em função da globalização.
Bjs.

orvalho do ceu disse...

OI, querida
Vc mora num bairro onde morava minha amiga portuguesa (da faculdade)... me fez ter memórias boas de um tempo bom também...
A Beth foi feliz com seu lindo texto e com boa precisão nos fatos relevantes do povo tão querido da gente... destaco a "fartura de carinho"... como precisamos todos!!!
Aproveito e passo também para convidar vc:
Vou fazer uma semana de reflexões, a partir de amanhã, com textos sobre o silêncio, acompanha,tá?
Saudações com votos de paz e alegria no fim de semana que se inicia.
Bjs

Mônica Suñer disse...

Encantador, profundo, nos faz parar para pensar.. Essas palavras não se limitam aos portugueses ou de outras nacionalidades, mas creio que a nós mesmos, muitas vezes estrangeiros em meio à própria família. Bjs

Qualquercoisa disse...

Oi linda, estou de volta aos blogs... bem, aos poucos, claro, pois ainda estou meio atolado na facul pelo final do semestre... nossa... abração e até mais...

Bem, lembrei de quando o meu blog fez 1ano...ahah... nossa, o tempo passa muito rápido...

Ah... passa lá no meu, tem coisa nova... ahah... abração...

Judite disse...

Sua vida acontece onde vc estiver, Isadora. Que lindo e emocionante o seu post. Parabéns!
E parabéns pelo aniversário do blog!

Um beijo e que Deus seja contigo sempre!

"Sejamos como a vela, que consome a sua própria substância para dar luz e calor aos que a cercam." (Elizabeth Leseur)

welze disse...

estou adorando essa festa. que delícia! cada vez melhor

Daniel Savio disse...

O pessoal é engraçado, pois na verdade, o certo é que são luso-brasileiros, pois incorporaram costume de ambos os paises...

Com isto merece o respeitos dos dois lugares.

E pensei, este tipo de casa é uma casa feliz, mesmo que seja portuguesa.

Fique com Deus, menina Isadora.
Um abraço.

Irene Moreira disse...

Isa

Que linda pstagem da Beths do Mae Gaia e me fez lembrar de tantas históruias contats pelos meus pais. E este fado como cansei de ouvir.

Mmeu pai foi militar na época do Salazar e veio refugiado para o Brasil. Aqui conheceu minha mãe e estamos cá nós os filhos e nossas histórias já cansates de ouvir pela M@myrene.

Lindo mesmo, amei

Beijos

She disse...

Obaaaaaa, adorei! Beijo, beijo para as duas! ;)
She

Beth/Lilás disse...

Gente, fico feliz em vê-los por aqui lendo meu texto. Obrigada pelas palavras carinhosas.
Beijo e parabéns tambem para você, querida Isa, que está trazendo excelentes blogueiros e pessoas sensíveis para ler nossos textos.
smack!