Esse texto foi postado aqui, no dia 16/02, e hoje resolvi postá-lo novamente. Por que? Porque hoje, essa doce mulher descrita no texto, e que não se encontra mais entre nós faria 85 anos. Ontem por uma grande coincidência, a pequena Bia me fez perguntas sobre os bisavós maternos e paternos, demonstrando curiosidade por aqueles que não estão mais entre nós mas que fazem parte de sua história, que são sua família e culminou com uma pergunta que encheu meus olhos de lágrimas: Mãe, eu queria muito ter conhecido a Balbina! E entre perguntas e respostas, entre lágrimas e sorrisos, eu disse que a ela também teria tido imensa alegria se a conhecesse. Ela nos deixou em agosto de 2001 e em outubro do mesmo ano, eu engravidei.
A Balbina não era parente de sangue, não era avô, nem mãe, mas ocupou um lugar em minha vida, além de qualquer laço estabelecido pelo parentesco. Ela era sim, minha mãe, minha avô, meu anjo pretinho igual jabuticaba. E como eu a amava. Hoje, falo de uma saudade guardada, mas que me faz feliz por ter podido conhecer e compatilhar momentos tão importante da minha vida com essa mulher maravilhosa!
Essa é a história de uma mulher que dedicou sua vida a uma família que não era a sua e que foi mãe e avó de filhos e netos que nunca teve.
Voltaremos ao ano de 1925, em Cordeiro, interior do Rio de Janeiro. Foi lá, que ela nasceu.
Sua família era muito humilde e juntavam-se a ela mais quatro irmãos. O pai e a mãe trabalhavam, na roça e era lá que desde pequenos, as crianças brincavam e ajudavam.
Essa menina virou moça. A cor de sua pele era da cor de café, de cabelos e olhos bem pretinhos (olhos de jabuticaba). Arrancava suspiros por onde passava.
Tivera um grande amor, eu soubera muito muito tempo depois, porém se decepcionara tanto que não mais se apaixonou.
Estava agora com 18 anos e não sabia ler nem escrever, sim, era analfabeta. Nem seu nome sabia assinar era preciso, sempre, apresentar o polegar.
Veio para o Rio de Janeiro trabalhar para a família Coelho Guimarães. Chegando lá se deparou com duas crianças: um menino de três anos e uma menina de um ano.
Cuidou, criou, cozinhou, brincou, educou, banhou e arrumou essas duas crianças como se filhos seus fossem.
Os anos passaram. A pequena menina estava prestes a se casar. Ela e o noivo decidiram morar com os pais dela e com essa mulher que a essa altura já estava com 44 anos.
Mais alguns anos se passaram e a história se repetiu. A menina casou, engravidou e duas crianças gerou - uma menina e um menino. E o anjo disfarçado de gente mais uma vez, cuidou, criou, cozinhou, brincou, educou, banhou e arrumou.
Quem não a conhecia podia achar que vivia de mau humor, pois carregava uma expressão carrancuda e aí de quem a contrariasse. Era um Deus nos acuda! No entanto, tamanho era o amor que trasbordava de seu coração que os mais próximos faziam de conta que não viam sua expressão.
Tinha uma maneira bem peculiar de demonstrar carinho e consideração e isso acontecia através de seu fogão. Era cozinheira de mão cheia e sua cozinha era seu reino e seus súditos, o batalhão que sempre aparecia para o almoço nos finais de semana. Eita família pra gostar de casa cheia. E lá ia ela preparar a refeição. Dos seus súditos esperava apenas uma retribuição: tinha que ter repetição e aí de quem comesse apenas uma porção.
Era tão senhora de si que um belo dia, a família descobriu uma confusão. Ela não usava o nome da certidão. Como assim, perguntaram todos? E ela respondeu: - “Apenas não gosto não.”
Quando a moeda mudou para o Real, a família pensou: “agora lascou”, mas que nada, de boba ela não tinha nada não. A família apresentou nota por nota, moeda por moeda cada uma com seu valor e ela rapidinho aprendeu mais essa lição.
Muitos verões, outonos, invernos e primaveras se passaram e agora, chegamos ao ano de 2001.
Depois de tantas estações, a idade começou a pesar. Era difícil levá-la ao médico, pois sempre achava que não tinha nada. Depois de muita insistência finalmente uma consulta se fez. Exame pra cá, exame pra lá e a constatação: seu organismo não estava nada bom.
Ela foi cuidada com muito carinho, amor e dedicação. A primeira e a segunda menina, mãe e filha, cuidaram dela como filha e neta, incessantemente, durante seis meses. Nesse tempo, a saúde complicou e o anjo quase não andava e não falava, porém era realmente especial, seus olhos de um preto vivo e profundo davam o recado com eloqüência.
Em um domingo, de Agosto, às 18h (o horário não poderia ter sido mais adequado para um anjo), ela já cansada decidiu que era chegada a hora de fazer aquela tão inquietante e longa viagem. Apenas fechou seus olhos e partiu.
Para a segunda pequena menina deixou de herança: a devoção por Nossa Senhora Aparecida, o amor pelo Salgueiro (escola do coração), o exigente paladar e o amor pelo fogão.
E a certeza que “os Anjos nunca nos abandonam, mesmo quando cometemos algumas falhas. Eles ficam aguardando uma oportunidade, uma fresta de luz em nossos corações para orientar-nos.”
Se você sentir um arrepio inesperado, alegre-se, pois foi a brisa do seu anjo que acabou de passar